Em novembro foi aprovado no Senado o texto-base da lei que trata da rescisão dos contratos de imóveis adquiridos em regime de incorporação imobiliária. O projeto foi apresentado pelo deputado Celso Russomano e tramita sob nº PLC 68/2018.
Muito se tem discutido sobre a matéria e, na verdade, o que se procura é regulamentar uma situação preocupante no mercado. Isso porque aproximadamente 40% dos imóveis vendidos na planta foram “distratados”. Sempre houve um percentual de distratos, que girava em torno de 10% das unidades negociadas. Neste patamar, a incorporação podia prosseguir e o comprador eventualmente conseguia repassar a sua unidade, ainda que com algum prejuízo. Mas, com o percentual de rescisão em 40%, e com o Poder Judiciário determinando que as devoluções dos valores pagos precisam ter retenção entre 10% a 25%, houve a necessidade de promover a regulamentação.
No entanto, o projeto de lei aprovado no Senado procura resolver uma situação momentânea do mercado imobiliário e, sendo aprovada, deverá ser alterada em um curto período de tempo. Vamos à explicação.
Sob a perspectiva das incorporadoras, as decisões judiciais, que determinavam a devolução com retenção entre 10% e 25% dos valores pagos, tornaram-se muito onerosas. Além de ter que devolver estas quantias, as incorporadoras ainda recebiam de volta a unidade negociada eventualmente desvalorizada, aumentando seus estoques de imóveis.
Esta situação coloca em risco o desenvolvimento da atividade empresarial, porque, para garantir o prosseguimento da incorporação imobiliária, deve ser mantido o pagamento das unidades negociadas, sob pena de se comprometer a viabilidade do projeto ou até mesmo da atividade da própria empresa.
Por outro lado, a aquisição de um imóvel na planta é uma das decisões mais importantes na vida das pessoas, seja como para uso próprio ou como investimento.
Esta importância decorre dos valores envolvidos, do comprometimento da renda, do longo prazo de pagamento no caso de financiamento e no caso de investimento pela representatividade do valor.
Deste modo, na maioria das vezes, a eventual rescisão por iniciativa do comprador é decorrente da situação econômica, como desemprego e recessão. No caso de se tratar de investimento, a decisão de rescisão é (ou deveria ser) quando a operação deixa de ser lucrativa e (em tese) o custo da rescisão é menor do que o da manutenção do negócio.
Mas há ainda outro fator, que resultou na necessidade de regulamentação nos moldes como está sendo discutido, que pode ser definido como consequência de condutas audaciosas das próprias incorporadoras. Explica-se.
Os imóveis vendidos na planta deveriam alcançar o valor de 80% do preço final, ou seja, do preço do imóvel quando as obras fossem concluídas, com a emissão do chamado “Habite-se” e abertura da matrícula da unidade. É neste momento que a propriedade é adquirida.
Isto porque o imóvel pronto é uma propriedade e o imóvel na planta é uma expectativa de propriedade, portanto deveria ter um valor menor.
Com o advento do boom imobiliário, ocorreu uma valorização imobiliária de 121% entre 2008 e 2011 (conforme BID, Banco de Compensações Internacionais) e até 2015 o crescimento do setor foi marcante, graças à demanda e ao crédito disponível.
Mas as incorporadoras passaram a negociar as unidades na planta pelo valor do imóvel concluído e algumas vezes até mesmo prevendo ou antecipando os preços futuros. Alguns incautos adquiriram estas unidades por estes valores projetados.
Tudo funcionava bem enquanto os imóveis se valorizavam.
Quando a economia entrou no mais grave período recessivo da nossa história, com o retrocesso dos preços dos imóveis, algumas incorporações, que foram concluídas, tinham preços de aquisição acima do seu valor de mercado.
É neste cenário que uma condenação judicial, com devolução do imóvel e de 90 a 75% do valor pago, tornou-se onerosa para as incorporadoras, porque o imóvel devolvido pode ter valor de mercado menor do que aquele pelo qual foi negociado.
Parece que é evidente que a legislação aprovada, em boa parte de seus dispositivos, procura regular esta situação de grave descompasso, mas sendo aprovada, e quando (assim se espera) a economia retomar a um nível de atividade mais acelerado, a sua aplicação poderá não ser útil e deverá inevitavelmente ter que ser reexaminada e adequada a este novo momento, ou interpretada pelo Poder Judiciário.
Ou seja, trata-se de uma legislação oportunista, que tem o caráter de solucionar um problema momentâneo de descompasso econômico e está fadada a se tornar ineficiente.
O oportunismo, em especial na elaboração legislativa, não traz desenvolvimento, e uma solução mais duradoura e confiável deve ser encontrada, garantindo a atividade empresária, mas também assegurando a justiça para o adquirente. O nº PLC 68/2018 não atende esta necessidade e tem que ser pensada.
Mas será que não existem soluções para a situação?
Existem, mas estão no emprego de conceitos mais amplos dos recursos econômicos e jurídicos.
Teria que haver diferenciação entre os contratos a título de investimento e a aquisição de imóvel para uso próprio. Pode ser difícil, mas é correto se diferenciar o adquirente de uma unidade para sua própria moradia daquele que faz um investimento contando com a valorização e que pode assumir algum risco. A atual legislação não faz esta diferenciação.
Para o incorporador, a venda compromissada garante a conclusão da obra. Uma alternativa mais imaginativa e eventualmente eficiente seria a de se estabelecer a venda das unidades sob os critérios e regulamentação do “Mercado de Opções” ou ”Contratos Futuros”.
Com estas medidas se abririam novas possibilidades para investidores, se garantiria a aquisição de imóvel para uso próprio e ao mesmo tempo a conclusão da obra.
Em resumo, com menos oportunismo, pensando que a legislação não deve apenas resolver uma questão momentânea e passageira, mas garantir a atividade no decurso do tempo, este projeto de lei não deve ser aprovado, mas sim melhor elaborado e com análise das perspectivas temporais e dos recursos econômico-financeiros a disposição do mercado.
Dr. Bence Pál Deák é economista e advogado especializado no mercado imobiliário.