Ambulantes ouvidos pelo reportagem admitiram não passar por nenhum tipo de controle para vender alimentos ou outros materiais no terminal e relataram que raramente são incomodados pela fiscalização. Assim como ocorre na vizinha Rodoviária do Plano Piloto, os camelôs tratam a Agência de Fiscalização (Agefis) com deboche.
“Não tem ninguém para coordenar, não existe um chefe dos ambulantes, a gente apenas pega as nossas coisas, monta a banca e vende. Quando chega a Agefis, desmontamos tudo e corremos, mas é só eles irem embora e nós voltamos. Se a PM não estiver junto, nem saímos e eles também não tentam levar nada”, conta uma vendedora de acessórios para celular. Ela não quis se identificar.
O escárnio é tão grande com o poder público que os camelôs voltaram a ocupar os arredores da rodoviária quando o trabalho da perícia da Polícia Civil na cena do duplo homicídio ainda estava em andamento.
A PMDF alega ter policiamento fixo no local, mas nem isso garante a tranquilidade dos 200 mil passageiros que passam pela Rodoviária do Entorno. Somados aos usuários de transporte do terminal do Plano Piloto, são quase 1 milhão de pessoas circulando naquela região.
Não é preciso ir muito longe para colher relatos de quem foi vítima ou já presenciou furtos, roubos e brigas no local. “Aqui, se der bobeira, alguém passa a mão e leva o celular. Roubaram o meu uma vez e até cigarro já tiraram da minha boca quando eu estava fumando. Como se sente segura assim?”, questiona a auxiliar de serviços gerais Maria de Fátima Aparecido.
O retrato de abandono e descaso se completa com imagens que se tornaram clichês para os brasilienses: homens, mulheres e até crianças traficando ou fazendo uso de crack.
Rixa antiga
Uma ambulante contou ter testemunhado diversas brigas no local e diz “não pisar do box 17 para a frente” por medo de também se tornar alvo de ameaças. Segundo ela, as vítimas e Henrique Monteiro Gonçalves, 33 anos, apontado como autor do crime, se desentenderam na semana passada e, desde então, o suspeito não teria sido mais visto até essa terça (4).
“Daquela fila [para os ônibus de Planaltina de Goiás] em diante a gente não vai. É gente se xingando, mulher se estapeando, puxando os cabelos umas das outras. Eles [vítimas e criminoso] brigaram feio na semana passada e, de lá para cá, o assassino não veio mais trabalhar. A primeira vez que eu o vi depois daquela briga foi hoje”, conta a mulher, que também pede anonimato.
Uma testemunha que estava de frente para Welington no momento dos tiros detalhou como ocorreu o crime. “De repente, começou uma briga. As duas mulheres, o outro ambulante e uma outra mulher começaram a discutir, e o rapaz [Welington] estava tentando apartar e tirar as duas dali. O homem falou alguma coisa; não sei bem se era um xingamento, mas o rapaz partiu para cima dele com um facão, e foi quando o outro homem deu os tiros. Quando ele deu os dois primeiros, eu fiquei sem reação. Depois, ele começou a atirar nas mulheres com quem estava discutindo”, narra a jovem, que também preferiu não ter o nome divulgado.
100% informal
Passageiros, rodoviários e autônomos que trabalham no terminal de coletivos com destino ao Entorno são unânimes na reclamação quanto à falta de estrutura e de serviços no local. Na rodoviária não há elevadores, escadas rolantes ou câmeras de segurança. Ao contrário da central do Plano Piloto, onde há dezenas de lojas regulares e com permissão para funcionamento, a oferta de produtos e serviços no ponto vizinho é 100% informal.
Dono de uma banca de açaí, Carlos Pereira gostaria de colocar o próprio negócio dentro da legalidade para evitar problemas com a fiscalização. “Tenho MEI [Micro Empreendedor Individual], CNPJ e sou obrigado a ficar preocupado com a Agefis, pois eles [o governo] não dão autorização para ninguém trabalhar aqui. Nem bebedouro tem, quem quiser que compre água”, reclama Carlos.
Fonte: Metropolie