Com a morte de Hélio Mota Gueiros, no dia 15 de abril de 2011 , aos 85 anos de idade,
em Belém do Pará, de insuficiência renal, fecha-se a sepultura derradeira no
cemitério do baratismo no Pará. Nenhum outro baratista foi tão longe na
rota do poder, exceto o chefe do maior agrupamento político que se
formou no Pará republicano.
O coronel (general na reserva do Exército) Joaquim de Magalhães
Cardoso Barata foi o eixo da disputa pelo poder no Pará de 1930, quando
chegou como tenente revolucionário, a 1959, quando morreu, de câncer,
aos 71 anos, no exercício (pela terceira vez, a primeira através de
eleição direta, as outras na condição de interventor federal) do cargo
de governador do Estado.
Durante esse período, permaneceu com o mando direto em suas mãos por
11 anos. Nos outros momentos usou de todos os meios para voltar a ser o
“Caga-Raios Palácio”, nome literário que lhe deu Haroldo Maranhão, neto
do seu maior inimigo, o jornalista Paulo Maranhão, no romance Rio de Raivas, fonte preciosa de informação (além de prazer), à falta de uma bibliografia à altura dessa saga – meio tragédia, meio farsa.
Linguagem casta
Hélio Gueiros ensaiava se tornar advogado, aos 29 anos, dando uso ao
diploma que obteve na Faculdade de Direito do Ceará, onde nasceu, quando
Barata o convocou para uma missão que, sob a aparência de iniciação em
carreira auxiliar do poder judiciário, era – acima de tudo – política:
ser promotor público em Santarém.
Como muitos jovens de hoje, Gueiros não queria ir para o interior
(nunca quis, até o fim da vida). Preferia a vida citadina. Mas seu pai, o
pastor protestante Antônio Teixeira Gueiros, o advertiu: recusar um
“pedido” do coronel Barata era candidatar-se ao seu ostracismo pessoal;
nunca mais seria lembrado.
Embora tenha sido o autor de uma das frases mais tristemente célebres
da história do Pará (“lei é potoca”), o então governador constitucional
cercava-se de advogados e bacharéis. Mandava-os para a polícia e as
comarcas do interior, dois dos seus principais instrumentos para impor
suas decisões e imobilizar os adversários e inimigos, alguns dos quais,
como Paulo Maranhão, dono da Folha do Norte, eram implacáveis.
O lugar escolhido para Gueiros era o segundo colégio eleitoral e o
segundo pólo econômico do Estado (já perdeu ambas as posições), mas ele,
mal-acomodado nas vestes talares, demoraria pouco tempo em Santarém,
onde fincou raízes uma das fontes do antibaratismo, o notável advogado
Alarico Barata, que transferiu esse patrimônio ao filho, o advogado
beletrista Ruy Guilherme Paranatinga Barata, poeta desde o nome.
Logo Hélio Gueiros estava de volta a Belém – e para cumprir uma
tarefa ainda mais importante, ou pelo menos mais ajustada às suas
qualidades: assumir a chefia de O Liberal, um jornal que os
amigos do rei compraram, cotizados, e transferiram para o nome do soba,
tornando-se seu único bem patrimonial quando morreu, já sem as ferozes
inimizades de antes.
Era para que Barata pudesse responder a outros raios, disparados na sua direção do alto do Folharal
por Palma Cavalão, outro nome literário que Haroldo Maranhão encontrou
para o temido avô nas leituras de Eça de Queiroz, um dos clássicos
portugueses que estavam na origem da boa escrita dos personagens
belenenses dessa época, uma época que, pelo padrão atual da educação
brasileira, não volta nunca mais. Antes, ofendia-se em linguagem casta.
Hoje, a linguagem é a própria ofensa, independentemente daquilo a que
sirva.
Ironia tosca
O jornalismo foi a seara na qual Hélio se sentia mais intimamente
realizado. Escrevia com facilidade e graça, com humor e ironia,
inteligível a qualquer um e fazendo sua a voz das ruas (título, aliás,
de coluna criada na década de 50 para abrigar as verrinas do velho
Maranhão na primeira página da sua Folha Vespertina). Gueiros foi
de uma geração de jornalistas para as quais o estilo importava mais do
que o fato e a versão, porque acrescida de todos os componentes
possíveis para a sedução do leitor, devia prevalecer sobre a verdade, em
geral prosaica, pedestre, cansativa de procurar.
Entendia-se esse tipo de jornalismo numa era de lutas políticas
violentas e em função de uma característica marcante no Pará: a busca
incessante pelo poder plebiscitário. A quem não lia pela cartilha do
baratismo só restava se tornar antibaratista. Como não havia duelo de
idéias, justaposição de programas e confronto de visões do mundo, o que
contava eram os instrumentos de poder, os mecanismos para chegar ao topo
e, uma vez atingida essa posição, favorecer os parentes, amigos e
correligionários. Para que um grupo pudesse subir, outro tinha que ser
apeado.
A luta política sempre foi uma dissipação de energias e oportunidades
no Pará. Não surpreende que o modo de crescimento do Estado se
assemelhe ao do rabo de cavalo: quanto mais cresce, mais vai para baixo.
Os donos do poder se dedicam a saquear o patrimônio público e a
destruir os que se antepuserem em seu caminho, reprimindo ou bloqueando
no nascedouro as novas lideranças. Com maior ou menor sofisticação,
sempre foi assim. Continua assim.
Durante os nove anos em que passou pela máquina do judiciário, posta a
funcionar para abrir as exceções da lei em favor dos amigos, da polícia
(por via do pai, o pastor Teixeira Gueiros, uma estampa de
respeitabilidade indispensável para carimbar as arbitrariedades dos
baratistas) e da imprensa (onde se adestrou na polêmica e na
panfletagem), Hélio cultivou os elementos que lhe iriam ser vitais no
novo caminho que assumiria, aos 33 anos: a política.
Embora com o apoio do ainda poderoso padrinho, ele ficou na suplência
de deputado estadual em 1958, pelo dominador PSD (Partido Social
Democrático). Apenas na eleição seguinte, de 1962, conseguiu integrar a
hegemônica bancada pessedista. Destacou-se como orador, graças ao seu
raciocínio rápido e o tom zombeteiro nas expressões, tornadas ainda mais
caricatas pelo timbre agudíssimo da sua voz (sobre o qual seu filho,
Hélio Gueiros Júnior, daria um testemunho histriônico no livro que
escreveu sobre a campanha de 1994 como candidato a vice-governador, num
lance de oportunismo pelo qual Almir Gabriel pagaria caro quando o
Gueiros menor o substituiu na interinidade). E assim se tornou líder da
bancada.
Foi preso em conseqüência do golpe militar que depôs o presidente
João Goulart, em 1964, apoiado nacionalmente pelo PSD em aliança com o
PTB getulista. Mas não foi atingido por qualquer outra punição, talvez
pelo seu comportamento ambíguo na Assembléia Legislativa. Não atacava
frontalmente os novos donos do poder e até apoiou a cassação do mandato
do deputado Benedito Monteiro, acusado de subversão. Nessa época Hélio
já contava com um cartório judicial, que Barata lhe concedeu, e que
viria a ser sua principal fonte de sobrevivência durante certo tempo,
sobretudo durante as vacas magras da ditadura militar.
Em 1965 foi candidato a vice-governador na chapa do marechal Zacarias
de Assunção, que impusera a maior derrota ao baratismo, em 1950, quando
a oposição se uniu (como não mais voltaria a repetir) em torno da
Coligação Democrática Paraense (CDP) e não permitiu a volta de Barata ao
maior cargo público do Estado. Sempre utilizando a bandeira do
antibaratismo, o militar se elegeria senador ao fim do seu mandato de
governador. Mas não se vexou em juntar-se aos inimigos do passado para
tentar novamente o governo, em 1965, na última eleição para esse cargo
pelos próximos 17 anos.
O militar vencedor, o coronel Jarbas Passarinho, conseguiu dar ao seu
candidato, o major Alacid Nunes, a quem nomeara prefeito biônico de
Belém, uma vitória arrasadora sobre o exército Brancaleone de baratistas
e antibaratistas. Mas Hélio cumpriu seu mandato de deputado estadual
até o fim. Em 1967 assumiu como deputado federal, eleito pelo MDB, o
partido da oposição consentida no regime bipartidário imposto pelos
militares com o fim da IV República, iniciada em 1946.
Hélio sobreviveu até o Ato Institucional nº 5, que pôs fim ao que
restava de liberdades e garantias democráticas, estabelecendo a ditadura
plena. Seu mandato foi cassado e seus direitos suspensos, como centenas
de outros políticos e personalidades públicas. Parecia que então ele
realizaria sua vocação de jornalista, da qual se distanciara em 1965,
quando deixou a direção de O Liberal. O jornal já não era mais o
porta-voz partidário do baratismo. Por uma das muitas ironias toscas da
política paraense, foi comprado pelo empresário Ocir Proença para
promover a candidatura de Alacid Nunes, já que a Folha do Norte, ainda na liderança, pulara o muro para aderir ao hibridismo inconvincente da candidatura de Assunção.
Censura inaceitável
Quando voltou a O Liberal, Hélio lá encontrou um novo dono: o comerciante e colunista social Romulo Maiorana, que assumiu O Liberal
quando ninguém o queria, cumprida sua missão com a eleição de Alacid.
Proibido de exercer sua profissão, Hélio teve que se valer de
pseudônimos e de estratagemas de Romulo para ter seus escritos
publicados. Logo ele encontrou um novo instrumento de poder na coluna
Repórter 70, para a qual ele mandava notas invariavelmente apimentadas,
ao gosto de todos. Contava com a co-autoria de Newton Miranda,
ex-vice-governador de Aurélio do Carmo, ambos também cassados.
Hélio voltou a ter influência e prestígio, mas agora em função do
apoio que recebia do dono do jornal. Romulo conseguiu se equilibrar em
dois pólos de sustentação: os remanescentes do baratismo, que ainda
controlavam determinados setores da vida local, e os militares e seus
associados, cujo domínio se expandia. Permitiu que o Repórter 70 se
tornasse uma das caixas de ressonância de um político novo, filho de um
dos mais destacados baratistas, o ex-deputado estadual Laércio Barbalho.
Presença constante na coluna, Jader Barbalho teve fulminante carreira
como deputado estadual e federal, consolidando-se como líder da
oposição institucional ao regime. Mas em 1982, quando se apresentou como
candidato ao governo, na primeira eleição direta para esse cargo desde
1965, Romulo foi pressionado a se definir. Do outro lado estava Jarbas
Passarinho, disputando a reeleição para o Senado, e o empresário Oziel
Carneiro, candidato ao governo.
Pela primeira vez o general de plantão no Palácio do Planalto, João
Figueiredo, não contava com a adesão do governador do partido oficial.
Alacid Nunes rompera com seus companheiros de arma porque não queria
devolver o poder estadual ao seu ex-padrinho, Jarbas Passarinho, como
acertara perante o presidente da república. Preferiu apoiar o adversário
da véspera. Brasília teve que apelar para todos os recursos, que
incluíam o grupo Liberal, muito reforçado pela concessão, em 1973, de um
canal de televisão, que passaria a integrar a Rede Globo de Televisão, a
favorita do rei castrense.
Desta vez Romulo não pôde se aliar aos seus companheiros de viagem
baratistas, com os quais se juntara desde que chegara a Belém, em 1953,
como um livre atirador no comércio, e dos quais se tornara mais íntimo
ao casar com Déa, sobrinha de Barata. Hélio Gueiros abandonou O Liberal e montou sua trincheira num jornal ainda precário, o Diário do Pará, que o governador de São Paulo, Orestes Quércia, proporcionara ao seu correligionário paraense.
Apesar dos ataques furiosos que desfechou contra Romulo, Hélio
Gueiros se reconciliou com ele. O acerto de contas aconteceu num
restaurante na Cidade Velha. Numa entrevista à jornalista Ana Célia
Pinheiro, em 2009, Hélio disse que Romulo só o aceitou de volta por ter
sido “a única pessoa que brigou comigo e não me chamou de
contrabandista”. Referendando essa declaração, da qual foi a única
testemunha e à qual nunca se referira até então, Gueiros garantiu que,
nos seus virulentos artigos no Diário, “não bati no passado”.
Qualquer pessoa que leu essas colunas na época ou delas tomou
conhecimento depois sabe que isso não é verdade. Hélio visou
principalmente Déa Maiorana, a quem Romulo precisou convencer a aceitar a
reaproximação. Ela se sentia tão insultada que só aprovou a iniciativa
do marido quando ele jurou que Hélio não fizera o que lhe era atribuído.
A pacificação era necessária porque Gueiros, feito senador por obra e
graça de Jader Barbalho em 1982, seria seu sucessor no governo, como
maneira de consolidar uma nova versão do baratismo. A adesão do poderoso
grupo Liberal afastaria qualquer risco de derrota, poupando o candidato
de fazer o que detestava: participar da campanha, ir ao interior,
trabalhar.
Só havia uma pequena pedra no meio do caminho: o distanciamento que O Liberal
foi ampliando ao longo da primeira gestão de Jader, sobretudo a partir
de 1984, quando comecei a denunciar a corrupção no governo na minha
coluna diária e, freqüentes vezes, no Repórter 70, do qual passei a ser o
principal redator.
Por isso mesmo me tornei o alvo número um dos ataques da corte
jaderista. Como eu sempre retrucava e contra-atacava, o embate se tornou
duro, agressivo. Com a mudança dos seus interesses e em virtude da
grave doença que o acometeu, Romulo não suportaria a ofensiva dos
antigos baratistas e dos seus sucessores. Tomei a iniciativa de pedir
demissão para poupá-lo, mas ele recusou. Garantiu que manteria minha
liberdade em seu jornal e aceitou que eu não partilhasse a reconciliação
com Hélio Gueiros, a quem dirigira uma longa carta pouco antes da
posse, em 1987, alertando-o sobre as responsabilidades que ia assumir,
do alto dos seus 60 anos.
Mas Romulo censurou um dos meus artigos, justamente sobre Jader
Barbalho. Não aceitei e saí da empresa. Como parecia que eu estava
disposto a uma medição de forças pessoal com Jader, Hélio imaginou me
usar para atacar aquele a quem tanto devia e tratava por estadista de
público.
Fogos fátuos
Ao contrário do que ele disse a Ana Célia, era fundado o receio de
Jader de que seu sucessor acabasse por criar um novo eixo de poder,
fechando as portas para seu planejado retorno ao governo, em 1990. Hélio
tinha um candidato no colete: o médico Henry Kayath, um dos mais
brilhantes baratistas, o último secretário estadual da fazenda do velho
PSD.
Jader trouxe Kayath de volta do Rio de Janeiro, onde o médico se
estabelecera numa clínica conceituada, mas o queria no seu redil, sob o
seu controle. Kayath tinha planos mais ambiciosos, que seu amigo
governador podia viabilizar. Enquanto a dupla se preparava para romper
com o patrono, Jader se antecipou: conseguiu que o ministro do Interior,
João Alves, demitisse Kayath, a bem do serviço público, da
superintendência da Sudam, onde Jader o havia colocado, cortando-lhe a
ascensão. Vendo sua estratégia fracassar, Hélio decidiu escancarar sua
oposição a Jader, mantida até então nos bastidores, e patrocinar a
candidatura de Sahid Xerfan, junto com o grupo Liberal.
Seguiu-se uma das mais violentas campanhas eleitorais da história
paraense. Ao final, Jader foi o vencedor. Seu carisma superou a máquina
oficial e a força dos veículos de comunicação da família Maiorana,
esquecida das mágoas profundas e recentes para combater o maior dos seus
inimigos. Sem mandato, Hélio comprou um espaço no Jornal Popular, de Silas Assis. Aproveitou-se mais uma vez do anonimato para atacar inimigos de sempre e amigos de ontem.
Quando rompeu com Silas, este não hesitou em reproduzir os artigos de
Hélio com o nome do seu verdadeiro autor, que não poupou nem o seu
candidato ao governo. A mordacidade em relação a Sahid Xerfan tinha uma
explicação: encerrada a campanha, com os credores à sua porta, o
ex-prefeito cobrou a participação do ainda governador na conta. Hélio
respondeu-lhe com outra pérola da fraseologia política ao tucupi: dívida
de campanha não se paga. E não pagou. Coube a Xerfan se desfazer do seu
patrimônio para honrar os compromissos. Foi o fim da sua carreira de
empresário.
Quanto a Hélio, tratou de abrir caminho para sua volta. E assim
decidiu se vingar de mim, que não servira aos seus propósitos de minar a
imagem de Jader, já associado a enriquecimento ilícito em cargos
públicos. Ao me dar informações privilegiadas sobre os maus feitos do
seu antecessor, o governador atirava pedras pelas minhas mãos e escondia
a mão. Acontece que eu descobri que seus filhos, amigos e apaniguados
enriqueciam à sombra do seu poder, tal como acontecera com Magalhães
Barata. E isso ele não tolerou, principalmente por ser a pura verdade,
indesmentível. Foi para publicar verdades incômodas como essa que criei
este jornal.
Apenas um mês depois de deixar o governo, em maio de 1991, Hélio me
mandou uma carta de 65 linhas, em linguagem chula e pornográfica, para
me ofender. O almirante Mário Jorge da Fonseca Hermes, que comandara o
IV Distrito Naval quando Gueiros governara o Pará, ao ler aquele texto,
confessou que jamais vira um documento público tão nojento. Recomendou
ao povo do Pará que não mais concedesse qualquer cargo público ao autor
daquela “coisa”. Mas o povo preferiu agir de outra forma, elegendo Hélio
Gueiros prefeito de Belém dois anos depois.
Acreditando nas suas fantasias, na revisão distorcida do passado que
fazia constantemente, o prefeito acreditou também que podia eleger um
sucessor qualquer que fosse a pessoa. Não conseguiu: o PT, que nunca
fora competidor real em eleição majoritária, chegou finalmente à vitória
com Edmilson Rodrigues.
O problema era o candidato, Ramiro Bentes, pesado demais, reagiu o
prefeito. O papudinho, o doutor Hélio, o homem do povo, este era
imbatível. E por isso Gueiros quase não fez campanha (e, desta vez, não
tinha um Barata ou um Jader para carregá-lo), quando se candidatou ao
Senado, em 1988, tendo o filho, Helinho, como suplente.
Sofreu então a maior das suas derrotas, num bisonho terceiro lugar,
com apenas 25% dos votos. O eleito (com 36%) foi seu ex-aliado, Luiz
Otávio Campos, que se mudara para o reduto de Jader, autor da ordem de
prisão vexatória que sofreu em 1991, por ilegalidades apontadas na
Secretaria dos Transportes, no governo de Gueiros. Ana Júlia Carepa
ficou em segundo lugar, com 34%. A política lhe fechava as portas.
Para arrematar, em 2008 Gueiros foi condenado pela justiça federal à
suspensão dos seus direitos políticos por cinco anos e multa equivalente
ao valor do prejuízo que causara por irregularidades na prestação de
contas de 24 mil reais do fundo partidário como presidente do PFL (hoje,
DEM). Também ficou proibido de contratar com o poder público e de
receber benefícios ou incentivos fiscais. O dinheiro fora gasto
ilegalmente com gratificações natalinas e festas de final de ano, ou em
despesas não especificadas, com notas fiscais rasuradas e fora de
validade.
Talvez ele nem se importasse com isso. Lei, afinal, não é potoca?
Hélio Mota Gueiros nunca teve compromisso sério com ela, nem com a
verdade histórica, nem com o seu currículo. Podia permitir-se dar as
mãos ao ex-amigo que acusara pouco antes de ser ladrão, ou voltar à
convivência de alguém cuja família denegrira. Tudo isso eram detalhes,
fogos fátuos numa girândola de interesses mais duradouros: os seus.
Alma mimetizada
Pai atencioso, amigo dos seus amigos, Hélio era uma companhia
adorável para conversas sem tempo certo de duração. Seus olhos brilhavam
quando seu interlocutor anunciava que tinha uma novidade para lhe
contar, sobretudo se era um fato secreto, reservado – uma boa fofoca.
Durante o tempo em que ele me abria as portas do Palácio Lauro Sodré
para conversas a dois, eu é que precisava lembrá-lo de que havia gente
na ante-sala com audiência marcada à espera do seu chamado. Se
dependesse apenas do que ele queria, ficaríamos ali por horas a papear
sobre o presente e o passado, os acontecimentos e as pessoas. E às vezes
ficávamos mesmo por muito tempo nessa conversa de jornalistas bem
informados.
O diabo é que ele tinha poder para exercer e o fazia com base na
alquimia de golpes e tramas aprendidos na escola de poder do baratismo,
um laboratório inesgotável dessas artimanhas e incivilidades. Hélio
Gueiros nunca devia ter ido além de uma redação de jornal, que era o seu
espaço por excelência e sua arte maior (embora não necessariamente
melhor). Ao menos se podia combatê-lo também com palavras, argumentos,
raciocínios e estilo, sem os danos acarretados pelo desempenho de cargos
públicos, em especial o maior deles, o de governador.
O que Hélio Mota Gueiros aprontou graças a esses poderes exigiria,
para ser relatado, um grosso volume de histórias. Centrado em si, ele
prejudicou pessoas e instituições em todos os lados do espectro e às
vezes também as beneficiou, ficando-se sem saber qual o saldo da ação
dessa metralhadora giratória. Sintomaticamente, fez o bem e o mal aos
dois grupos que dominam a comunicação (e a política do Estado), em torno
de O Liberal e do Diário do Pará.
O Diário, ao qual sua vinculação era mais recente, abriu quatro páginas ao seu necrológio, com uma chamada mais destacada na capa. Já O Liberal,
do qual chegou a ser diretor e com o qual sua relação era mais antiga,
deu-lhe apenas uma página e chamada mais discreta na capa. Ainda devia
ser travoso o gosto de alguns episódios, como no final do mandato de
prefeito, quando deixou para Edmilson Rodrigues dívida de mais de um
milhão de reais com os veículos de comunicação da framília Maiorana.
Hélio se foi, arrastando consigo os últimos vestígios do baratismo,
mas os Barbalho e os Maiorana prosseguem a disputa polarizada e
plebiscitária, que tem sido a marca e a principal fonte da tragédia do
Pará, como se vivêssemos na Florença dos Médici ou na Sicília dos
mafiosos.
Requiescat in pacem, é o que se desejaria – ma non troppo,
como acrescentaria o italiano, tão personagem no enredo quanto o
cearense que se mimetizou na alma dos paraenses e saiu desta aclamado
pela versão que deixou plantada na mente dos que sabem da história pelo
que foi dito e não pelo que foi feito.